terça-feira, 29 de setembro de 2009

Voltando....

Olá!
Cá estou eu de novo, intervalo aqui, intervalo ali, lá vou regressando...

Então, foram votar? Espero que a resposta seja "sim"... E lá fui, como boa portuguesa que sou, por volta das 18h50 :) Mas fui!!!

Em relação aos resultados, não se pode dizer que inspirem muita confiança mas também custa-me imaginar uma situação em que tivesse confiança nos dirigentes deste país, portanto, vamos lá ver no que isto dá...

Como não tenho tempo para me alongar muito, hoje vou-vos deixar com um poema de um dos meus poetas menos apreciados: Cesário Verde. Porquê? Na verdade, acho importante conhecer e o vocabulário é interessante... Aqui vai então:

Manias!  

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, -- hoje uma ossada, --
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!


Bdi-bdi-bdi-bdThat's all folks!!!!


terça-feira, 22 de setembro de 2009

Faz-se por isso...

Bem, começando com a presença da Joana Amaral Dias no Gato Fedorento... Hmm... Isto será uma coisa do Bloco? Querem parecer sempre muito sérios... Não é que a política seja uma brincadeira, e claro que se compreende que um partido que, embora com um crescimento muitíssimo acentuado desde que foi formado, tem menos anos de existência do que muitos que estão atrás de si em representação no parlamento, tenha alguma necessidade de "se afirmar" e de mostrar que está a fazer um trabalho sério e sensato, mas... Vá lá... São os gatos!

E agora pergunto eu... Porquê a Joana Amaral Dias? Será pelo (alegado?) telefonema.... ou porque fica bem na televisão? I wonder....

Gostei MESMO da questão levantada pelo RAP em relação aos rodeos... O.o... Realmente, concordo com ele, se era para encher, mais valia aumentar o tamanho da letra... Rodeos?? Começo a pensar se terão pedido apoio a alguma instituição internacional de defesa dos animais para escrever essa parte e depois nem se deram ao trabalho de conferir... Quer dizer... RODEOS???????????

E depois "quem se ... é o mexilhão" , que eu estive hoje a sacar os programas eleitorais com o objectivo de os ler todos antes de ir lá dobrar os papelinhos em branco (até porque assim vai dar mais gozo) e só do BE, com esta brincadeirinha de andar a fazer propostas para os Estados Unidos da América, são 113 páginas só mesmo para abrir a pestana!

Enfim, já expressei a minha revolta, agora deixo-vos com o sempre actual Eça e as suas intemporais e sábias palavras (ambas as citações, de tão repetidas ao longo do tempo, são conhecidas de quase todos, mas nunca é demais recordá-las... Por alguma razão continuam a ser repetidas...):



 

E assim me retiro de mansinho... Amanhã cá estaremos para cortar na casaca de mais alguém!

O que há em mim é sobretudo cansaço






 
Para compensar as falhas de ontem, deixo-vos um génio...
 
O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

                      Álvaro de Campos

 
 
Mais logo talvez cá dê um saltinho! Considerem-se cultivados!

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Compensando...? O.o

Como "não há falta que não dê em fartura", cá estou pela segunda vez hoje... Acabei agora de ver o gato (que deixei a gravar enquanto assisti a mais uma fabulosa partida do meu clube do coração, coração esse que felizmente é suficientemente forte para compensar o quanto o seu clube é fraquinho) e aproveito para comentar já a presença do deputado Jerónimo de Sousa no programa, mantendo o inconfundível estilo Rui Santos.

Jerónimo de Sousa: NOTA 6

É um jogador com uma longa experiência, se bem que ainda muito dedicado a uma forma de jogo que começa a caír em desuso e.... Bolas... Este não dápara grandes metáforas futebolísticas... A coisa não me está a saír... Deve ter sido de ter estado a levar com mais uma carga de nervos à conta do futebol... Recalquei toda a informação relacionada....

Não há crise, muda-se o método!

O que tenho eu a dizer? Tenho a dizer que gostei! Não foi aceso, não foi contundente, não foi agressivo, não foi brilhante... Mas bolas! Quem não gosta de ver um senhor que podia ser o o avôzinho de qualquer um de nós com histórias engraçadas (ou nem por isso, mas que nos mantêm o sorriso, sabe-se lá porquê...) e ideias tradicionais (note-se que há umas décadas atrás seriam revolucionárias, mas os tempos mudam...)?
Mais: alguém além de mim nota a semelhança com o Robin Williams?! Ou é de mim?? Bem, se não sou a única, volto a sublinhar, quem não gosta do Robin Williams?
Portanto, foi... hmm... agradável! Não se seria bem isto que seria esperado de um programa que tem como anfitrião um dos humoristas mais críticos de Portugal e como convidado um deputado, líder de partido, em época de campanha eleitoral... Mas quem sou eu para julgar... Eu só cá vim ver a bola!!! hehehe

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Como não me agrada nunca deixar um post sem um suplemento de leitura, aqui está o que se consegue após a hora do Vitinho... O autor é anónimo e o tema um tanto lamechas mas assim como assim tenho a desculpa de que já devia estar a dormir e deixo a promessa de amanhã encontrar algo consideravelmente melhor!


E se um dia fôssemos sós...?
E se um dia fôssemos só nós?
E se um dia não houvesse chuva nem interrogação?
E se um dia não houvesse polícia nem poluição?
E se nesse dia não houvesse trânsito, nem árvores, nem televisão?
E se por um dia não houvesse luz, nem Sol, nem Lua, nem escuridão?
E se um dia fôssemos só nós os dois?
O que seríamos nesse dia...?
... E o que seríamos depois?

Anónimo in Algures na Internet

Vá, tudo para a caminha que é quase meia noite....

À la Rui Santos...

Caros leitores inexistentes... Começo por pedir desculpa pela ausência mas como eu sou um ser muito ocupado, entre ver sites na net e ver séries na TV, pouco tempo me tem restado! Estou a brincar... trabalhinho... muito trabalhinho, é o que é... Às vezes... Outras não... Mas isso agora não interessa...

Como não gosto de fazer discriminações, tenho de mandar a minha "posta de pescada" acerca dos restantes esmiuçados da semana que passou. Dado o atraso, vou utilizar o famoso método Rui Santos, mas sem bolinhas nem setinhas:

Manuela Ferreira Leite: NOTA 6

Após um prolongado período no banco cujas raras interrupções foram marcadas pela negativa, com muitos passes falhados, muitas gaffes tanto de defesa como de ataque e pouca iniciativa, teve uma presença algo surpreendente ao encarar o perigo imposto por um adversário pouco comum no seu percurso profissional conseguindo, sem grandes extravagâncias, cumprir os objectivos impostos.

Paulo Portas: NOTA 8

Habituando os adeptos a um estilo de jogo mais conservador sem deixar, no entanto, de ser do agrado dos fãs mais fervorosos, conseguiu perante uma equipa com características atacantes inovadoras, mais marcadas na ala esquerda do ataque, não se prender a uma defesa fechada na ala direita mas sim aproveitar para surpreender o adversário com lances de contra-ataque bastante inventivos e descontraídos.


Francisco Louçã: NOTA 3

Uma actuação que se esperava fácil e descontraída, pelas características comuns entre este jogador e a equipa atacante, revelou-se a maior desilusão. Uma adequação PÉSSIMA ao estilo de jogo imposto pela equipa da casa, fechando completamente a defesa e sem mostrar qualquer criatividade, fazendo apenas por manter a táctica habitual sem qualquer mostra de criatividade face ao desafio que, logo à partida, nem parecia ser muito perigoso.

Paulo Rangel: NOTA 6

Uma exibição mediana mas descontraida, sem grandes lances a destacar mas com um bom controlo de bola e algumas jogadas bem conseguidas. Um pouco na onda do "joga e deixa jogar".

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E agora chega de parvoíce senão a SIC ainda vem aí atrás de mim para ir para lá mandar umas bocas e ficar cerca de uma hora a dizer a mesma coisas de várias maneiras diferentes, divagando até que eu própria não saiba o que estou a dizer...

Por fim, não querendo que o Blog peque por falta de qualidade e conteúdo literário, deixo-vos um pequeno excerto d' As Farpas para que terminem a vossa visita lendo alguém que realmente sabe escrever! Cá vai só mais uma pequenina alusão ao tema de destaque até Outubro.......... Por quem estamos nós?

"A crítica levantada em redor das Farpas acusa-as de prodigalizarem cortesias a el-rei.
Há por outro lado quem as suspeite de fazerem secretamente votos pela república.
Ora as Farpas tomam a liberdade de declarar que não desejam ardentemente para si e para o seu país senão uma coisa, - que é juízo."

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Esmiuçar os gatos...

Não querendo fingir uma crónica imparcial, começo por confessar que sou fã... Ainda assim, tal como a maioria da população, é inevitável comentar hoje o regresso do Gato Fedorento à televisão.

Primeiro de tudo acho que o RAP esteve muito bem, como sempre, se bem que me parece ter havido alguma contenção (se pessoal, se imposta não sei dizer) em relação ao que estamos habituados, sobretudo na entrevista ao PM... Uma espécie de "estou a ser atrevido mas com cuidado...", mantendo-se quase sempre dentro de temas aos quais o PM já deve ter respondido, no mínimo, um bilião de vezes e para os quais deve ter, pelo menos, umas quinze respostas "pré-definidas".
Em relação ao PM em si, foi uma desilusão para quem esperava vê-lo rancoroso em relação a anteriores trabalhos do GF, pois demonstrou uma descontracção e "habilidade" notáveis, relativamente às quais apenas a naturalidade levantou questões... Sendo que o recenseamento é feito aos 18 anos e considerando que algumas pessoas até começam a votar desde o início, arrisco-me a dizer que a participação do PM no programa poderá mesmo ter reunido mais uns quantos votos nas próximas eleições (encaremos a realidade: há provavelmente mais jovens recém recenseados a assistir ao GF do que aos debates).

Relativamente às intervenções dos outros elementos dos GF, não sendo particularmente brilhantes, prendem-se ao que, de facto, levou os GF a atingir a posição que hoje ocupam no humor nacional, o non-sense, e quanto a isto ou se gosta ou não se gosta, a expressão "não tem piadinha nenhuma" não pode ser aplicada, pois é uma variável inicial!

Para finalizar, acho o programa uma boa ideia e estou certa de que vai fazer, pelo menos, alguns desinteressados darem uma vista de olhos nos programas eleitorais e, quem sabe, fazerem um visitinha às urnas que não estava nos planos...

Querendo ainda acrescentar, sem largar totalmente o assunto do humor (nem o das eleições?), um soneto fantástisco para ler nas entrelinhas ;) Deixo-vos então com o nosso caro Bocage...

Quer ver uma perdiz chocar um rato,
Quer ensinar a um burro anatomia,
Exterminar de Goa a senhoria,
Ouvir miar um cão, ladrar um gato;

Quer ir pescar um tubarão no mato,
Namorar nos serralhos da Turquia,
Escaldar uma perna em água fria,
Ver um cobra castiçar co'um pato;

Quer ir num dia de Surrate a Roma,
Lograr saúde sem comer dois anos,
Salvar-se por milagre de Mafoma;

Quer despir a bazófia aos Castelhanos,
Das penas infernais fazer a soma,
Quem procura amizade em vis gafanos.



 Manuel Maria Barbosa du Bocage

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ode Triunfal

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical —
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força —
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro.
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgíllo dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinqüenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrênuos.
Da faina transportadora-de-cargas dos navios.
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!
Horas européias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostados às docas,
Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!
Atividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
E Piccadillies e Avenues de l'Opéra que entram
Pela minh'alma dentro!

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule!
Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!
Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos;
Membros evidentes de clubes aristocráticos;
Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete
De algibeira a algibeira!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
Presença demasiadamente acentuada das cocotes
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente
Que andam na rua com um fim qualquer;
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
E afinal tem alma lá dentro!

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicídio
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!


Notícias desmentidas dos jornais,
Artigos políticos insinceramente sinceros,
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes —
Duas colunas deles passando para a segunda página!
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos há pouco, molhados!
Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amo de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfato
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!
Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!
Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,
Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

Ó fazendas nas montras! ó manequins! ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias seções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!

Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes —
Na minha mente turbulenta e encandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.

Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos,
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta.)

Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até à noite ponte misteriosa entre os astros
E o mar antigo e solene, lavando as costas
E sendo misericordiosamente o mesmo
Que era quando Platão era realmente Platão
Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro,
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele.

Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!

Up-lá hô jockey que ganhaste o Derby,
Morder entre dentes o teu cap de duas cores!

(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas,
E ser levado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!

Ó tramways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até o espasmo!
Hilla! hilla! hilla-hô!
Dai-me gargalhadas em plena cara,
Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,
Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! —
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escadas.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosa gente humana que vive como os cães,
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!

(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer, ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje... )

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!
Outra vez a obsessão movimentada dos ônibus.
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios
De todas as partes do mundo,
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas.
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!

Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos, brocas, máquinas rotativas!

Eia! eia! eia!
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!

Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-la! He-hô! Ho-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!



Álvaro de Campos