quarta-feira, 8 de junho de 2011

Escrita e Interpretação

Sócrates: Você sabe, Fedro, esta é a singularidade do escrever, que o torna verdadeiramente análogo ao pintar. As obras de um pintor mostram-se a nós como se estivessem vivas; mas, se as questionamos, elas mantêm o mais altivo silêncio. O mesmo se dá com as palavras escritas: parecem falar connosco como se fossem inteligentes, mas, se lhes perguntamos qualquer coisa com respeito ao que dizem, por desejarmos ser instruídos, elas continuam para sempre a nos dizer exactamente a mesma coisa. E, uma vez que algo foi escrito, a composição, seja qual for, espalha-se por toda a parte, caindo em mãos não só dos que a compreendem mas também dos que não têm relação alguma com ela; não sabe como se dirigir às pessoas certas e não se dirigir às erradas. E, quando é maltratada ou injustamente ultrajada, precisa sempre que o seu pai lhe venha em socorro, sendo incapaz de se defender ou de cuidar de si própria.
Platão, in 'Fedro'

Hoje, não sei porquê, pareceu-me importante partilhar isto.
Alguém já reparou que às vezes é complicado discutir um assunto?
O debate é frequentemente mal interpretado e mal visto e quem gosta de debater um assunto, pelo simples prazer da argumentação, é frequentemente visto como sendo "do contra" porque parece, lá está, nunca concordar.
Imagine-se uma conversa entre dois interlocutores, em que o A defende um ponto de vista e o B apenas deseja debater.
Por vezes, não se trata apenas de ouvir e concordar ou discordar, há quem (como eu e o interlocutor B) tire prazer da análise de um assunto até à exaustão mesmo sem que haja uma opinião formada à partida, mesmo que não esteja a ser tomado um partido. Nestes casos, cada argumento do interlocutor A é posto em causa e chega-se a um certo ponto em que parece ser o único objectivo do interlocutor B desacreditar o que o outro diz. É isto? Não. É a procura por mais argumentação. Quando a argumentação falha, frequentemente o interlocutor A sente que está a ser atacado pois deixa de ter como debater o assunto por ter esgotado o seu ponto de vista sem ainda ter convencido o interlocutor B. O grande problema, é que esta situação acabará por acontecer a um dado instante, mais tarde ou mais cedo, e por mais sólida e completa que seja a argumentação do interlocutor A, porque o interlocutor B não procura um objectivo, não quer uma conclusão e não poderá ser convencido de que existe uma teoria final correcta. Não se trata, nem sequer remotamente, de um ataque ou de uma tentativa de subjugação, mas sim de um prazer que não é retirado das "faltas" do outro mas das vitórias próprias obtidas por conseguir encontrar sempre uma contra argumentação que promova a continuação do debate.
Falando por mim, não tiro grande prazer de discussões nas quais tenho uma posição definida... Limito-me frequentemente a despejar argumentos ou a, simplesmente, concordar em discordar. Agora, discussões em que quero conhecer melhor o assunto, ou a(s) pessoa(s) com quem discuto, não estando à partida de acordo nem contra nada, procurando apenas "jogar às palavras", evitar os tiros e responder na mesma moeda, em suma, discutir, dão-me um enorme prazer!
Acreditem, eu NÃO sou do contra... Apenas apaixonada pela palavra falada, tanto ou mais que pela escrita!



Bons filmes e boas leituras!

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