terça-feira, 21 de junho de 2011

Tese e Antítese

I

Já não sei o que vale a nova idéia,

Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacchante após lúbrica ceia...

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia;

Respira fumo e fogo embriagada:
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!

Um século irritado e truculento

Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz...

Mas a idea é n'um mundo inalterável,

N'um cristalino céu, que vive estável...
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!

II


N'um céu intemerato e cristalino

Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino.

Mas o homem, na terra onde o destino

O lançou, vive e agita-se incessante:
Enche o ar da terra o seu pulmão possante...
Cá da terra blasfema ou ergue um hino...

A idéia encarna em peitos que palpitam:

O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!

Combatei pois na terra árida e bruta,

Té que a revolva o remoinhar da luta,
Té que a fecunde o sangue dos heróis!


Antero de Quental, in "Sonetos"
 
Só para vos deixar uma coisa bonita! Gosto mesmo muito!
Bons filmes e boas leituras!

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