quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Grandes Homens Forjam-se a si Próprios

Para conhecer a realidade do mundo, único fim sério da ciência, é preciso entrar no combate da vida como entravam na liça os paladinos bastardos - sem pai e sem padrinho. Os príncipes não constituem excepção a esta lei geral da formação dos homens. Da educação de gabinete, do bafo enervante dos mestres, dos camareiros e das aias, nunca sairam senão doentes e pedantes.
Na sagração dos czares há uma cerimónia de alta significação simbólica: o imperador não se confirma enquanto por três vezes não haja descido do trono e penetrado sozinho na multidão; e isto quer dizer que na convivência do povo a autoridade e o valor dos monarcas recebe uma tão sagrada unção como a da santa crisma. Todos os reis fortes se fizeram e se educaram a si mesmos nos mais rudes e mais hostis contactos da natureza e da sociedade humana.

Veja vossa alteza Carlos Magno, que só aos quarenta anos é que mandou chamar um mestre para aprender a ler. Veja Pedro o Grande, do qual a educação de câmara começou por fazer um poltrão. Aos quinze anos não se atrevia a atravessar um ribeiro. Reagiu enfim sobre si mesmo pela sua única força pessoal. Para perder o medo aos regatos, um dia, da borda de um navio, arrojou-se ao mar. Para se fazer marinheiro começou por aprender a manobrar, servindo como grumete. Para se fazer militar começou por tambor na célebre companhia dos jovens boiardos. E para reconstituir a nacionalidade russa começou por construir navios, a machado, como oficial de carpinteiro e de calafate, nos estaleiros de Sardam. Também não teve mestres, e foi consigo mesmo que ele aprendeu a lingua alemã e a lingua holandesa. Veja vossa alteza, enfim, todos aqueles que no
governo dos homens tiveram uma acção eficaz, e reconhecerá se é na lição dos mestres ou se é no livre exercicio da força e da vontade individual que se criam os carácteres verdadeiramente dominadores, como o de Cromwell, como o de Bonaparte, como o de Santo Inácio, como o de Lutero, como o de Calvino, como o de Guilherme o Taciturno, como o de Washington, como o de Lincoln.

Ramalho Ortigão, in 'As Farpas (1883)'

E aqui está a receita que nos dá Ramalho Ortigão para forjar grandes homens... Aparentemente perdeu-se a vontade de os forjar como nos mostra o dia a dia em que não vemos senão, em todos os sectores da sociedade, um engalfinhado de "doentes e pedantes" que trepam, já não rochedos, mas paredes de escalada artificiais, com as cordas de segurança todas ligadas entre si... Todos os dias me questiono quando cairá um do topo e, num efeito dominó inevitável, deixará todos pendurados numa frágil sustentação. É fazer figas para que ponham o pé em falso e, na queda, a sustentação não lhes valha.

Bons filmes e boas leituras!

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