Todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluídas que formamos as nossas maciças conclusões. Para julgar em Política o facto mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento. Para apreciar em Literatura o livro mais profundo, atulhado de ideias novas, que o amor de extensos anos fortemente encadeou—apenas nos basta folhear aqui e além uma página, através do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante. Com que soberana facilidade declaramos—«Este é uma besta! Aquele é um maroto!» Para proclamar—«É um génio!» ou «É um santo!» of erecemos uma resistência mais considerada. Mas ainda assim, quando uma boa digestão ou a macia luz dum céu de Maio nos inclinam à benevolência, também concedemos bizarramente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a coroa ou a auréola, e aí empurramos para a popularidade um maganão enfeitado de louros ou nimbado de raios. Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. Não há acção individual ou colectiva, personalidade ou obra humana, sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda E a opinião tem sempre, e apenas, por base aquele pequenino lado do facto, do homem, da obra, que perpassou num relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos. Por um gesto julgamos um carácter: por um carácter avaliamos um povo.
Eça de Queirós,
A Correspondência de Fradique Mendes
ISTO é precisamente o que sinto quando leio a larga maioria dos comentários a notícias no facebook. Toda eu sou liberdade de expressão, nem isto pode ser posto em causa, mas acho que às vezes ao ser tão fácil opinar (como no caso dos comentários do facebook), se mina o espaço virtual de uma tal quantidade de lixo que me custa a encontrar os benefícios desta facilidade. E o "melhor" de tudo, é que isto é uma espiral descontrolada na qual, a certa altura, já ninguém sabe exactamente sequer o que foi originalmente noticiado (e, apenas para esta reflexão, vamos assumir que a imprensa é uma fonte fiável e isenta), sendo que já se comenta o comentário do comentário ao comentário e por aí fora, cada um mais inconsciente da "verdade" que o anterior.
Mais do que no tempo do Eça, temos a hipótese de nos informarmos e de partilhar a informação com outros (assumindo, mais uma vez, que tanto agora como na altura, a fonte de informação é válida) e, no entanto, escolhemos ser cada vez mais desinformados, fazendo questão de partilhar antes a nossa desinformação.
Bons filmes e boas leituras!
Sem comentários:
Enviar um comentário